Numa manhã, André acorda e se vê preso num lugar desconhecido. Esfregou os olhos, analisou o ambiente e não encontrou nada familiar, nenhum móvel, cor, cheiro ou som lhe reportavam ao seu mundo vivido. Encolheu-se na cama, aliás, numa esteira colocada no chão, cobriu-se com o lençol de algodão macio e limpo que estava ali, deixou os olhos entreabertos e pensou: estou para o que der e vier. Passado algum tempo, ouviu passos e uma criança chegar até sua grade.
Viu ela sentar-se no chão, pegar o bloco, a caixa de lápis de cor e pôr-se a desenhar. André sentou-se e a ela saiu correndo. Se aproximou da porta, chamou-a em voz amigável, e viu um homem de estatura média, traços orientais, se aproximar e dirigir-lhe umas palavras num idioma desconhecido. Não o entendendo, tentou a mímica. E nada. Aí pegou os lápis de cor, o bloco da menina e, para espanto do homem, desenhou a bandeira do Brasil. O cidadão não entendeu, amassou a folha, jogou-a no lixo e seguiu a vida. Isto se repetiu por 10 dias, sempre o mesmo desenho, o que na estreia irritou o oriental, depois causou-lhe inquietação. A menina e o homem ficaram uns dias sem aparecer, até que numa manhã vieram com um outro de terno escuro. Falaram na porta da cela, André fingiu dormir até ouvir lhe chamarem em português. Saltou aliviado, foi para a porta na intenção de saber onde estava e quem era.
Na conversa, soube que estava num pequeno lugar do Japão, que seu interlocutor era da embaixada, vindo por insistência do policial que lhe mandara os desenhos da bandeira brasileira. André foi levado à Embaixada Brasileira, identificado, soube que era o único sobrevivente de um acidente aéreo, e por estar na porta de emergência fora arremessado da aeronave, encontrado desmaiado acavalado numa árvore, sem lenço nem documento, e levado para a delegacia local. Como não acordou e ninguém reclamou o corpo, era banhado, alimentado e cuidado. Descobriu que era professor universitário indo para um congresso, que a notícia dada foi não ter sobrevivente, assim já tinha atestado de óbito. Passaram-se três meses, veio a documentação e ele voltou ao Brasil.
A família o esperava, mas não comunicara a universidade. Ele, feliz da vida pisando em solo pátrio, no dia seguinte resolveu ir ao departamento, rever colegas e retomar a vida. Ao chegar, deu-se com o porteiro novo. Soube das novidades, perguntou por alguns e por ele. Ouviu que havia morrido queimado num avião, que fizeram missa, e o auditório agora tem seu nome. Engoliu em seco tudo aquilo e foi ao departamento. O primeiro colega que o viu desmaiou, o segundo correu e o terceiro gritou. André esperou se acalmarem, contou sua versão, foi apalpado por uns, abraçado por outros, e a vida seguiu salva pelo desenho da bandeira. Caro leitor, já se imaginou no lugar dos colegas do André?